Por uma didática sensível na educação superior: uma proposta de revisão paradigmática no ensino superior

For sensitive didactics in higher education: a proposal for a paradigmatic review in higher education

Auteurs

DOI :

https://doi.org/10.5585/eccos.n71.26869

Mots-clés :

Didática Sensível., Educação Superior, Revisão Paradigmática

Résumé

O livro intitulado Didática Sensível: contribuição para a didática na educação superior (2022), publicado pela editora Cortez, de autoria da professora Cristina d’Ávila, chega com uma proposta de contribuição para refletir sobre os paradigmas da Didática na educação superior a partir de uma revisão de suas bases epistemológicas. A implicação imediata que a leitura da obra promove é um convite e uma provocação para que os professores e as professoras revejam e repensem os paradigmas calcados no tecnicismo-positivismo predominantes na práxis universitária, próprios da ciência herdada do Cartesianismo, na medida em que propõe uma Didática que valorize e trabalhe “razão” e “emoção”, “inteligibilidade” e “sensibilidade” numa perspectiva lúdica e humanizadora.

Pedagoga, mestre e doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); pós-doutora em Didática, pela Universidade de Montreal; e em Docência Universitária, pela Universidade Sorbonne Paris V, a autora é professora titular de Didática e atua no Programa de Pós-Graduação em Educação na UFBA. O seu longo e mais do que qualificado currículo, a meu ver, já coloca a Profa. Cristina d’Ávila na condição incontestável de que se trata de uma notória autoridade acadêmica sobre Didática e docência universitária, comprovada não só pela sua atuação acadêmica como docente da referida disciplina e pesquisadora da área mas também pelas várias publicações voltadas para os temas da educação, didática e ludicidade, principalmente sobre: docência na educação superior; formação de professores; formação continuada; Didática: prática pedagógica, mediação didática, livro didático.

A obra Didática Sensível: contribuição para a didática na educação superior está dividida em seis capítulos. No primeiro capítulo, a autora apresenta a sua compreensão sobre os paradigmas do campo pedagógico-didático na condição “de pedagoga e docente implicada”; no segundo capítulo, por sua vez, Cristina d’Ávila expõe as bases (o que ela denomina de pilares) da Pedagogia Raciovitalista fundadas na Teoria Raciovitalista, de Michel Maffesoli, e na Teoria da Complexidade, de Edgar Morin; já no terceiro capítulo, é onde, de fato, a autora apresenta “os fundamentos psicopedagógicos” e o modus operandi da Didática Sensível, tendo como foco a “inteligibilidade” e a “ludicidade” como o princípio formativo dessa didática; o capítulo quatro, por sua vez, é basicamente um relato de uma pesquisa com professores da área de Saúde na qual se fez uso do dispositivo da Didática Sensível em “ateliês didáticos”; na sequência, no capítulo quinto, a autora apresenta a “Didática Sensível como pilar conceitual e base metodológica dos ateliês didáticos em um projeto criativo de formação continuada de professores universitários”; e, por fim, o sexto capítulo é constituído de uma entrevista da pesquisadora com Michel Maffesoli, em que, segundo ela, discorre sobre “raciovitalismo, pós-modernidade, educação universitária e Didática Sensível.”

Didática Sensível: contribuição para a didática na educação superior é fruto, como nos informa a autora em seus “Agradecimentos”, de um pós-doutorado entre 2015-2016, na Universidade Sorbonne Paris V, mas que, em suas palavras, “efetivamente, ele vem sendo escrito há mais tempo.” Ainda nesse espaço do livro, a autora afirma: “Escrevi um livro de uma Didática vivida ou experivenciada com emoção e razão.” Aqui chamo a atenção para o neologismo destacado com ênfase no trecho citado: “experivenciada”. A meu ver, o leitor, um pouco mais atento, vai perceber que neste neologismo, reforçado semanticamente pelos substantivos “emoção” e “razão”, está a essência, a tônica, a alma da proposta do que venha a ser uma Didática Sensível, que a professora Cristina d’Ávila pretende trazer como proposta para o leitor.

Dentre as publicações da autora, destaco: Ateliê didático: uma abordagem criativa na formação continuada de docentes universitários (2018), organizado em parceria com Ana Verena Madeira, publicado pela editora EDUFBA; Ludicidade, cultura lúdica e formação de professores (2018), organizado em parceria com Tânia Ramos Fortuna, publicado pela editora CRV; Métodos e técnicas de ensino e aprendizagem para a educação superior: cardápio pedagógico (2021), também publicado pela editora da UFBA.

É perceptível pelos títulos das obras citadas que Cristina d’Ávila recorrentemente se volta para os temas que me confirmam que são os seus principais focos de pesquisa: a Didática, a ludicidade e a formação de professores voltadas para a educação superior. Dentre as obras acima relacionadas, retomo aquela cuja leitura me trouxe a este momento: Ateliê didático: uma abordagem criativa na formação continuada de docentes universitários (2018). Foi a leitura de Ateliê didático..., pois, que me possibilitou a descoberta da “Didática Sensível” proposta por Cristina d’Ávila e suas parceiras do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Didática e Ludicidade (GEPEL). A leitura salutar do livro em tela me levou a refletir que preciso estar continuamente em processo de formação e aberto aos paradigmas didático-pedagógicos emergentes. Mesmo os que têm a licenciatura ou a Pedagogia na formação inicial (graduação).

Em Ateliê didático..., as autoras propõem, como consta em seu subtítulo, “uma abordagem criativa na formação continuada de docentes universitários” a partir de uma “Didática Sensível” em conjunto com a “Epistemologia da prática”. Já no livro Didática Sensível..., em autoria solo, a professora da UFBA aborda a “Didática Sensível” no diálogo com a “Teoria Raciovitalista” e a “Teoria da Complexidade” para propor uma Pedagogia Raciovitalista ou uma Pedagogia da Razão Sensível.

É uma Didática que considera a “experiência vivenciada”, a “emoção” (o sensível) como partícipe do processo sem desconsiderar a “razão” (o intelecto). É uma Didática, pois, da afirmação de que a emoção e a razão podem andar lado a lado; que necessariamente uma não precisa silenciar ou excluir a outra. A “sensibilidade” e a “inteligibilidade” podem, e devem, estar em sintonia. Nesse sentido, é uma Didática que propõe um resgate do “estésico” e do “estético” “[…] nos processos de formação e desenvolvimento humano, buscando o necessário equilíbrio entre razão e sensibilidade com vistas à formação de pessoas mais equilibradas e saudáveis” (p. 60) em oposição à “anestesia” que foi se constituindo ao longo de um processo de formação tecnicista-positivista próprio da educação moderna que, segundo a autora, citando Maffesoli (2016), “[…] é essencialmente racional, abstrata, sendo necessário integrar a abordagem sensível a suas práticas” (p. 61). E nisso está o grande diferencial desta proposta que se contrapõe à Didática de base tecnicista-positivista, na medida em que a autora afirma categoricamente: “Há que haver espaço para o conhecimento comum, a arte, os mitos, outros saberes, sobretudo os saberes dos quais são portadores, os estudantes, suas cosmovisões” (p. 115).

A obra Didática sensível... é um contradiscurso situado em parâmetros da pós-modernidade. Nesse caso, um contradiscurso ao tecnicismo de base cartesiano-positivista que dita os paradigmas da ciência e da Didática Geral acadêmica a qual se sustenta em um modelo do fazer com base na certeza e na anestesia diante do outro, usando apenas a razão e a frieza (ou a neutralidade científica) dos conhecimentos científicos com base nos pressupostos apenas da ciência. Ou seja, o saber científico. Na contramão disso, a autora propõe o “saber sensível”: “O saber sensível é um tipo de conhecimento profundo e orgânico, anterior ao conhecimento inteligível. É um saber presente em um nível sutil do ser, do que não é explicável, mas apreendido pela intuição por meio do corpo e pelo corpo” (p. 66). Em outros termos, podemos dizer que Cristina d’Ávila vislumbra uma Didática que trabalhe com a certeza da ciência e a incerteza da vida cotidiana; com a razão e a emoção; com o objetivo e o subjetivo; com o técnico e o humano; com o inteligível e o sensível. E este último par, que a pesquisadora não os ver como dicotômicos, é assim definido: “[…] entende-se o inteligível como o conhecimento abstratamente articulado pelo cérebro que mobiliza signos lógicos e racionais. [Já] A sensibilidade […] refere-se à sabedoria do corpo e se manifesta em diversas situações da vida corrente […]” (pp. 66-67).

Isso porque, dentro dessa perspectiva, o foco de todo o processo de formação do sujeito de aprendizagem, o futuro professor, deve se dar, segundo a professora Cristina d’Ávila, em bases humanísticas e holísticas que fazem do ser humano ser “humano” em toda sua complexidade e integralidade, ou seja, ele é complexo e integral porque ele é razão e emoção e esses aspectos do ser humano estão intrinsecamente ligados. Eles não podem, a rigor, ser separados porque são indissociáveis do/no ser humano. Em vista disso, é possível afirmar que a proposta de d’Ávila é de uma Didática de caráter humanizador e holístico. O foco é o humano! E aqui, é possível perceber, entram os preceitos da psicologia gestáltica (um dos pilares que também sustentam a Didática Sensível): a valorização do todo.

Em outras palavras, é uma Didática do “saber sensível” que pretende resgatar a humanidade do professor em seu fazer docente, na medida em que ele se deixe tocar, ou afetar, pela “sensibilidade intuitiva”. A “intuição”, por sua vez, a autora propõe que seja vista como “[…] uma lógica interna ao indivíduo” (p. 66). E isso independe da área de conhecimento de atuação ou de formação do docente. A prova cabal disso é o relato que consta no Capítulo IV, em que a autora relata a experiência dos ateliês didáticos praticada com professores universitários da área de saúde. Os ateliês didáticos são as oficinas onde a proposta da Didática Sensível é posta em prática na formação continuada de professores da educação superior. Usando do dispositivo de relato autobiográfico na “pesquisa-formação” (como a autora denomina), em que o sujeito ao falar de si, ele é provocado a trazer “à baila” (expressão, aliás, muito recorrente no decorrer do livro) suas experiências e vivências. Isso porque “A Pedagogia Raciovitalista é uma abordagem que traz para dentro a experiência vivida, com as suas outras linguagens que não apenas a que advém da ciência racional instrumental” (p. 115). Portanto, a prática dos “ateliês didáticos” é factível e exequível na educação superior.

O livro Didática Sensível: contribuição para a didática na educação superior, enfim, é ao mesmo tempo um convite e uma provocação ao professor da educação superior. É um convite à medida que propõe ao professor universitário sair de sua zona de conforto e, pelo menos, fazer uma reflexão (ou uma autorreflexão) sobre o seu fazer docente, sobre sua práxis universitária a partir de uma Didática que, sem desconsiderar o inteligível, valoriza o sensível. É uma provocação também na medida em que propõe rever as bases/estruturas “sólidas” de uma ciência calcada apenas no racional de herança cartesiana-positivista. Se os(as) professores(as) universitários(as) permitirem sensibilizar-se, quem sabe a leitura desta obra não atinja, de fato, o objetivo pretendido pela autora: “[...] tenho a ambição de inspirar outras práticas pedagógicas.”

Portanto, em vista do exposto, é um livro que recomendo a todos e todas que fazem a educação superior (mas não só!). É uma obra que não pode faltar nas referências, principalmente, de quem trabalha com a Didática e o tema da formação docente. É, indubitavelmente, uma grande contribuição para o campo da literatura sobre Didática e para todos os professores que têm a Didática como objeto de ensino e todos(as) os(as) pesquisadores(as) que têm a formação docente como objeto de pesquisa. Vale a pena a leitura!   

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Biographie de l'auteur

José Marcos Ernesto Santana de França, Universidade Regional do Cariri

Doutor em Linguística, pós-doutor em Linguística Aplicada, pós-doutorando em Educação, professor adjunto de Língua Portuguesa do Departamento de Línguas e Literaturas (DLL) da Universidade Regional do Cariri (URCA).NAL DO CARIRI

Références

D’ÁVILA, Cristina. Didática sensível: contribuição para a didática na educação superior. São Paulo: Cortez, 2023. 175 p.

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Publiée

2024-12-13

Comment citer

FRANÇA, José Marcos Ernesto Santana de. Por uma didática sensível na educação superior: uma proposta de revisão paradigmática no ensino superior: For sensitive didactics in higher education: a proposal for a paradigmatic review in higher education. EccoS – Revista Científica, [S. l.], n. 71, p. e26869, 2024. DOI: 10.5585/eccos.n71.26869. Disponível em: https://uninove.emnuvens.com.br/eccos/article/view/26869. Acesso em: 12 mars. 2025.
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